Rugby: o desporto que custa pegar

Fair PlayDezembro 24, 20179min1

Rugby: o desporto que custa pegar

Fair PlayDezembro 24, 20179min1
Hélio Pires apresenta as suas questões em relação à modalidade a nível nacional... é o rugby um ou o desporto que custa pegar em Portugal?

Porque é que o râguebi não cresce em Portugal ou, se cresce, leva tanto tempo ou os ganhos de uns anos perdem-se noutros?

Certamente que não faltam motivos, da escassez de fundos ou estruturas físicas até à falta de recursos humanos ou o simples desinteresse da maioria dos portugueses. A lista é longa e há quem esteja bastante mais habilitado para falar sobre o assunto do que eu.

Mas sem querer questionar essas pessoas, permitam-me a ousadia de, como mero adepto e correndo o risco de dizer platitudes, partilhar a perspectiva de quem que vive longe de um grande centro urbano e tem os clubes mais próximos a 25 ou 30 quilómetros de distância.

A galinha da vizinha

Olhando para o futebol, que ao ser a modalidade predominante em Portugal é talvez o melhor objecto de análise comparativa, há duas coisas que ele tem e o râguebi não: a popularidade quotidiana e a saturação informativa.

A primeira deriva da facilidade com que se consegue jogar com meios informais. Basta uma bola, que tem que ser de futebol, algo para assinalar as balizas – como latas ou camisolas – e depois um pouco de espaço, independentemente do tipo de piso. Pode ser relva, terra batida, pedra, cimento ou alcatrão, num jardim, praça, rua, pátio ou terreno desbravado. Ou na praia, mas, a menos que se more junto ao mar, não é uma opção tão acessível quanto as outras.

O râguebi não tem a mesma flexibilidade. Não só porque nos postes também importa a trave – como o Finn Russell bem mostrou nas Seis Nações deste ano – mas acima de tudo porque, como é óbvio, as placagens e as formações não são conciliáveis com qualquer tipo de piso. Ou há um jardim com áreas relvadas suficientemente limpas e amplas ou é complicado.

Quanto à saturação informativa, ela ocorre a dois níveis. O primeiro é o evidente predomínio nos media, visível em qualquer noticiário com os seus minutos de desporto, que na realidade são quase sempre sobre a bola, ou nos programas de análise desportiva ou antes futebolística.

Quem se quer informar sobre futebol pode por isso fazê-lo carregando duas ou três vezes no comando da televisão; ou então ligando a rádio ou lendo um jornal que está disponível no café da esquina onde, já agora, passam jogos na televisão com alguma frequência.

Em alternativa, podes recorrer à pessoa mais próxima, que é o outro nível de saturação. Tens dúvidas sobre as regras ou os detalhes de um lance? Não te lembras do nome de um jogador ou a posição dele? Como é que acabou uma partida ou em que lugar está um clube? Se perguntares aos teus pais, primos, avós, irmãos, vizinhos, amigos ou colegas, é quase certo que ficas a saber a resposta. O que não falta em Portugal são treinadores e árbitros de bancada.

Já o râguebi, em comparação, é uma coisa que dá trabalho. Não basta ligar a televisão ou abrir um jornal e o recurso a familiares ou amigos pode ser inútil.

No meu caso, quando me comecei a interessar pela oval, tinha apenas um amigo com quem podia tirar dúvidas e ele morava a mais de 100 quilómetros de distância. O que sei devo-o em muito a pesquisas na internet, incluindo no site da World Rugby, de onde imprimi o livro de leis do jogo e fiz dele a minha leitura de Verão. E se quero saber notícias, tenho que procurá-las, já que elas não me caiem no colo pela televisão ou conversas diárias.

Nesse aspecto, as notificações automáticas do Twitter são uma bênção, mas estão longe ser um caso de saturação informativa.

Consequentemente, o futebol beneficia de um ciclo virtuoso onde a popularidade quotidiana faz dele um desporto de amigos e família, justificando a atenção mediática de que goza, o que, por sua vez, reforça a presença do esférico na vida social.

Já o râguebi padece de um ciclo vicioso onde a maioria das pessoas não conhece ou não aprecia e os media, que se regem acima de tudo pelas audiências, não lhe dão atenção precisamente por serem poucos os que conhecem ou apreciam.

Festa do rugby escolar (Foto: Associação Rugby do Sul)

Os ditames da vox populi

Como quebrar esse ciclo? Não vale a pena esperar que seja a televisão a fazê-lo, mesmo com um furo mediático como uma nova ida ao mundial. Por um lado, porque uns dias de reportagens não bastam para enraizar o conhecimento e gosto pelo râguebi, que pode estar em alta num momento, mas desvanecer noutro, até porque, passado o mediatismo, faltam formas de manter o interesse.

Terminada a euforia e arrumado o tema nos media, o mais provável é que a maioria das pessoas volte ao conforto do que conhece melhor. Afinal, o ser humano é uma criatura de hábitos e, em Portugal, o futebol é um deles.

Já agora, também não vão ser os media online a resolver o problema, pois se as notícias exigem iniciativa de busca, então é uma ilusão achar que a maioria das pessoas vai procurar sites sobre coisas que não conhece ou não aprecia. E depois, mesmo que o mediatismo gere interesse duradoiro, é difícil fazê-lo crescer e prosperar se faltarem clubes onde jogar, academias onde treinar ou meios para manter um campeonato estável, competitivo e organizado.

No fundo, o problema de base aqui é apenas um: falta público! É dele que saem os adeptos e atletas, os números que justificam patrocínios, sustentam clubes, geram receitas, dão razão de ser a estruturas desportivas e motivam a atenção mediática que cria um ciclo virtuoso.

Se não há um número elevado de pessoas com um interesse estável no râguebi, há menos massa humana que gere talentos, encha estádios ou engrosse as audiências e há mais dificuldade em justificar investimentos ou patrocínios cuja rentabilidade depende da quantidade de pessoas que veem ou usufruem.

É de pequenino que se torce

A boa notícia é que a solução já está a ser implementada, pelo menos em parte, com o desporto escolar sob a forma de tag rugby.

É ir directamente às novas gerações num espaço onde elas se concentram e formam a sua vida social, contornando-se a falta de saturação informativa, ao mesmo tempo que se introduz uma simplificação que deixa jogar râguebi em superfícies duras. Mas se esse é o caminho certo, há que apostar nele de forma sistemática, duradoira e alargada.

Em concreto, o desporto escolar não pode ser visto apenas na óptica da captação de talentos, porque isso, na melhor das hipóteses, pouco mais faz do que preservar o que já se tem.

Se o objectivo é acima de tudo alimentar os clubes que já existem, então não se está a criar condições para o aparecimento de novos noutros sítios. E o râguebi português, note-se, tem ainda a fama de ser um desporto da linha de Cascais.

O que é um estereótipo e portanto uma ideia falsa, mas com algo de verdade no facto de Lisboa e os concelhos vizinhos terem a maior concentração de clubes do país.

Em vez disso, o objectivo principal deve ser a formação de público, transmitindo as regras, valores e o gosto pelo râguebi ao maior número possível de jovens.

Nalguns casos, vão surgir talentos e ainda bem; noutros, senão mesmo na maioria, não. Mas isso não pode ser visto como um investimento perdido, porque um clube só existe se tiver uma comunidade que o sustente. Sem ela, sem o público, não há sócios ou adeptos e logo também não há patrocínios, recursos ou mediatismo.

O que obriga ainda a que as idas às escolas sejam frequentes. Não basta ir uma ou outra vez, porque isso é o mesmo que uma ou outra notícia na televisão: não gera interesse duradoiro, apenas esporádico, e logo não introduz nada de novo nos hábitos das pessoas.

Admito – e outros saberão dizê-lo melhor do que eu – que um investimento sistemático, intenso e persistente no desporto escolar não é fácil e custa dinheiro. Não o nego! Mas também não posso negar que, não dispondo o râguebi de uma forte via familiar ou mediática para informar e crescer, a ida às escolas em força é a estratégia que oferece melhores hipóteses.

Use-se e rentabilize-se o que se tem da melhor forma e sem a ilusão de que os resultados vão ser imediatos. Não se forma público de um dia ou ano para o outro.

Por fim, aposte-se não apenas no tag, mas também na popularização do touch rugby, que é outra forma de simplificação que permite adaptar o râguebi ao quotidiano. Não para fazer concorrência ao jogo de quinze, mas para alimentá-lo, do mesmo modo que o futebol de rua, que é popular e informal, ajuda a manter o predomínio social e mediático do futebol profissional dos estádios.

Foto: Associação Rugby do Sul

One comment

  • Miguel Portela

    Dezembro 26, 2017 at 12:01 pm

    Eu acho que o que falta é uma maior de dedicação e profissionalismo para o Rugby crescer em Portugal mas isto vai da federação aos clubes, há muito poucos realmente empenhados e com um plano estratégico para crescerem e tornarem o Rugby nacional cada vez mais forte!
    Depois claro podemos nos queixar das infra-estruturas, do fato de não haver visibilidade na TV, que seria facilmente resolvido com a quantidade de TVS no cabo de sinal aberto com conteúdo de qualidade duvidosa que existem, mas isso não nos leva a lado nenhum… Até porque nós ensinamos aos nossos atletas os valores do rugby e não vi em lado nenhum a lamentação e o desistir, por outro lado vejo Paixão!!

    Miguel Portela
    Braga Rugby

    Reply

Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS