Estará a World Rugby a caminho de se tornar uma FIFA?

Francisco IsaacDezembro 3, 201714min0

Estará a World Rugby a caminho de se tornar uma FIFA?

Francisco IsaacDezembro 3, 201714min0
A organização máxima da Oval está a enfrentar sérias críticas à sua gestão e forma de estar. O Fair Play foi em busca da "verdade" e apresenta a sua análise

Um título forte e chamativo, que pode ser entendido por muitos como um artigo “clickbait” e que será desprovido de razão. Todavia, não é do que se trata uma vez que há motivos válidos para o público da Oval ficar preocupada com o futuro da modalidade.

Do ponto de vista da expansão e propagação do rugby em diversos países e continentes, tudo tem corrido bastante bem, atingindo África, Ásia e Américas. No Mundial de rugby de 2015, o número de espectadores nos estádios e em “casa” aumentou drasticamente, levando a World Rugby (instituição que gere o rugby globalmente) a declarar um sucesso imediato.

O continente asiático ficou mais “fã” da modalidade e ligou a televisão por várias vezes para assistir diversos jogos, principalmente os espectadores do Japão, que já estariam ansiosos para o Mundial se realizar no seu “quintal” em 2019.

O rugby tinha reafirmado o seu poder em espaço europeu, assumindo-se como uma das modalidades fortes em Inglaterra, para além do futebol ou cricket. Todavia, a World Rugby tem tomado decisões “estranhas”, assumindo por vezes um comportamento pouco saudável, com uma postura excessivamente agressiva ou sem lógica.

WORLD RUGBY TROPHY – UM PORMENOR, UM INCIDENTE OU UMA COINCIDÊNCIA?

Para os adeptos portugueses a decisão na final do Mundial de Rugby de sub20 “B”, denominado por World Rugby Tropjy, realizado no Uruguai, foi polémica e, no mínimo, uma tentativa de abanar com os princípios e valores da modalidade.

De forma sucinta, relembramos as ocorrências: a final do Mundial foi entre as selecções do Japão e Portugal, no Estadio Charrúa em Montevideo. No mesmo dia dessa final (10 de Setembro), já o campo tinha sofrido graves danificações uma vez que foram realizados três jogos antes, todos eles sobre intensa chuva.

O campo estava portanto impraticável à partida para o encontro que decidia, não só o campeão do World Rugby Trophy, mas também quem subia para a divisão cimeira do escalão sub-20. Isto é, um jogo com carácter decisivo e que podia/pode abanar, de certa forma, com as estruturas do vencedor/perdedor.

Contudo, o comissário de jogo e juízes de jogos optaram por realizar o encontro e ao fim de 70 minutos de rugby “pesado” e sem grandes momentos, foi decretado o seu fim porque “não estavam encontradas as condições suficientes para terminar o encontro”. A isto se deveu o facto da luz artificial ter cessado funções (o que existia já era insuficiente para iluminar um jogo à noite), do intensificar da pluviosidade e do terreno de jogo se ter tornado num ringue de lama.

O Japão levantaria o título, numa final triste e incaracterística para o Mundo da Oval. Imediatamente começaram a cair as críticas, apontando o facto do Japão ser o próximo host do Mundial de Rugby sénior e que o comissariado da World Rugby tinha dado uma espécie de vantagem com um desfecho tão repentino.

Tratando-se de Portugal a equipa “prejudicada” e vencida, o Mundo do rugby não abanou de forma alguma, esquecendo-se por completo da final no Uruguai. Quando se realizou a mesma prova em Portugal no ano de 2015 (um dos últimos grandes eventos da Era do Presidente Carlos Amado da Silva), a federação local apresentou dois campos de rugby, uma série de localizações para os treinos e condições espectaculares para uma modalidade que é marginal no território nacional.

A dualidade de critérios não existiu entre 2015 e 2017, abrindo-se um precedente grave de que alguns são, efectivamente, inferiores a outros.

SR. ÁRBITRO PODE EXPLICAR-ME O QUE É QUE EU FIZ?

No ano de 2017, houve um somar de situações que têm levantado questões sérias à arbitragem a nível mundial, a começar pelo facto das placagens à cabeça serem precedidas de penalidade e um cartão amarelo ou vermelho dependendo da sua gravidade. Nos primeiros dois-três meses, assistiu-se a um “arraial” de confusões, más decisões e uma falta de consenso e lógica da arbitragem em geral.

Os juízes de jogo estavam, pela primeira vez, perdidos no campo de rugby, com alguns a não ter franca noção do que é uma placagem ou do impacto que a mesma tem.

Desta vez não foram só os adeptos a protestar, já que treinadores, jogadores e dirigentes levantaram a voz e começaram a apontar o dedo ao comité de leis da World Rugby, que estava a tentar a satisfazer as queixas a nível médico, com a manutenção da intensidade de jogo.

Passados quase 12 meses da decisão da WR, os árbitros esqueceram-se (quase) por completo destas novas leis, ou pelo menos parte, e agora tentam fintar o mais possível a nova legislação, voltando a apitar quase da mesma forma que há 1 ano atrás.

A arbitragem por si só tem sido também um problema constante em 2016 e 2017, com erros de uma enorme gravidade que estão a passar em claro e que a própria World Rugby está a ter dificuldades para lidar.

Facto que a modalidade trata a arbitragem de uma forma mais “humana”, o que não invalida o facto de que se possa apontar o dedo e exprimir críticas pesadas à qualidade e decisões dos árbitros.

Wayne Barnes, Craig Joubert, Angus Gardener, Jaco Peyper são alguns dos nomes fortes do Mundo do Rugby quando falamos em arbitragem e, coincidentemente, foram os quatro a realizar das piores exibições em 2017.

Barnes apresentou falhas sérias no jogo entre o País de Gales-Nova Zelândia, virando vantagens instantaneamente ou não tendo uma leitura segura do breakdown, o que permitiu algum jogo “sujo” durante o encontro.

Angus Gardener teve, por exemplo, um fallout contra TJ Perenara no jogo entre Reds-Hurricanes em Abril, entrando em conflito directo com o formação dos All Blacks. Mas, devido ao estilo mais descontraído do Gardener foi possível desarmar a situação com alguma comédia.

Contudo, a grande preocupação a nível mundial é de que a arbitragem está francamente pior e que tem tido problemas em criar uma linha lógica para algumas decisões. Ora alguns árbitros apitam de uma forma e moldam as leis à sua maneira, ora apresentam novas possibilidades de execução das leis.

Um exemplo disso mesmo é a criação de mauls espontâneos pela defesa, que depois se atiram para o chão e ganham uma formação ordenada. Isto quando é possível vislumbrar, em várias dessas situações, o facto da defesa derrubar deliberadamente o maul.

A World Rugby permanece, mais uma vez, a leste destes acontecimentos e ao invés de rever o código de leis e moldar os árbitros em volta deste mesmo, permite uma liberdade artística muito complicada quando as equipas pedem excelência e eficácia.

Igualmente são os clubes e selecções a raiz de vários dos problemas que afectam a modalidade. A forma como alguns treinadores/seleccionadores se têm comportado perante as decisões dos juízes de jogo ou as estratégias dos seus adversários é, no mínimo, censurável.

Michael Cheika foi um dos últimos exemplos, com uma reacção totalmente desnecessária no jogo Inglaterra-Austrália, isto de um seleccionador que já tentou criar sérios casos de “Guerra Civil” entre selecções.

Em Inglaterra puniu-se Steve Diamond com um jogo de suspensão por palavras contra a equipa de arbitragem. O treinador dos Sale Sharks é já um conhecido prevaricador no Mundo do rugby, com várias suspensões e castigos dados pela RFU, que parecem não chegar.

Contudo, o clima de “protestos futebolísticos” está a ganhar forma no rugby, muito por culpa da inactividade da World Rugby em tomar as rédeas da situação e passar a formar árbitros com outro profissionalismo.

O jogo tornou-se incrivelmente profissional no espaço de 20 anos e, agora, é necessário ter árbitros do mesmo nível. Nigel Owens é um desses casos, que apesar dos erros que tem em alguns jogos, demonstra outra forma de estar e outro “humanismo” que por exemplo Peyper não quer apresentar.

Por outro lado, seleccionadores como Cheika ou Gatland merecem uma suspensão séria e pesada de forma a pôr um travão a este tipo de comportamentos.

O DIA EM QUE AS INSTITUIÇÕES DECRETAM O SEU APOCALIPSE

A World Rugby também tem enfrentado problemas em “salvar” o jogo em diversas partes do Globo… Samoa é o caso mais grave de momento, com a bancarrota anunciada pela federação local que lançou o rugby samoano numa “paragem cardíaca” total e que forçou a entrada da World Rugby no país. Porém, não foi só a Samoa a lançar o sinal de “aviso”, já que no Velho Continente a Alemanha também entrou em zona vermelha.

Uma greve lançada pelos jogadores profissionais que têm contrato com a federação alemã, pôs em perigo a evolução (oca) do rugby alemão, que tem investido em estruturas e no recrutamento de jogadores séniores para o país, não dando grande importância ao facto da sua formação ser uma das mais insípidas e fracas da Rugby Europe.

Mas expliquemos o problema alemão de forma sucinta: Hans-Peter Wild (dono da Capri Corporation), o grande investidor do rugby alemão, decidiu comprar o Stade Français e, deste modo, retirar o seu investimento da federação alemã no prazo de 6-10 meses. Esta situação pôs os contratos profissionais em perigo, com a Alemanha a não ter forma de liquidar as suas dívidas.

A greve avançou e o Chile, selecção um ou dois “degraus” abaixo do Brasil e “três” da Alemanha, ganhou por 32-10 em solo alemão… humilhação de certa forma e o início de um problema muito sério para um país que estava em crescimento. Mais uma vez, a World Rugby deixou o problema passar sorrateiramente pelas suas mãos e agora tem mais uma federação perto de falência.

A entrada de Agustín Pichot para a direcção da World Rugby veio carregada também de uma intriga intensa, com o argentino a assumir um discurso muito complicado para com a Inglaterra, França e Nova Zelândia, tentando forçar mudanças drásticas nos modelos competitivos internacionais, sem olhar para o projecto a longo-prazo no conjunto.

Nisto tudo, o leitor, tem de perceber que torneios como as Seis Nações (Europa), Rugby Championship (Hemisfério Sul) são exemplos de campeonatos de selecções em que a World Rugby não é o organizador principal, mas sim empresas ou instituições privadas/particulares, que dirigem ao seu “gosto”. Pichot tem tentado interferir nos modelos competitivos destes dois exemplos, fazendo comentários e críticas a quem os dirige.

Cria-se, deste modo, um clima nada positivo para a modalidade, dando a parecer que a World Rugby não tem poder de facto para “exigir” mudanças ou sequer ajudar na preparação destes torneios, especialmente as Seis Nações.

Mas Pichot tem outro problema que não (quer?) resolver: os jogadores de selecções de Tier2 e Tier3 que são “impossibilitados” de alinhar pelos seus países. O que queremos dizer com isto? Há vários casos de atletas que jogam nos campeonatos mais competitivos da Europa e, que na altura de serem chamados às selecções abaixo do nível Tier1, são forçados a dizer que não há convocatória.

O caso português, novamente, pode ser um bom exemplo: os jogadores que alinham no TOP14 e PROD2 receberam permissão para jogarem por Portugal desde que a federação pagasse os custos não só de viagem e alojamento (o normal) mas também pagasse o salário dos dias em que estes atletas se ausentavam dos trabalhos do clube. Face a esta situação, é normal que a larga maioria opte por não jogar pela selecção quando não há condições da mesma garantir esses pagamentos.

Quem sai beneficiado são os clubes, que montaram assim uma estratégia bem idealizada de se favorecer sem que entrassem em litígio directo com a World Rugby. Contudo, isto apresenta um ataque aos valores e princípios do rugby, algo pelo qual a World Rugby deveria velar.

O Fair Play contactou a World Rugby para perceber como funcionava o sistema de denúncias e resoluções para este caso, contudo a própria organização mundial não soube prestar uma resposta clara e uma solução para estas situações, dando a ideia de que é a federação local que tem de resolver o problema.

MUNDIAL 2023… O QUE DEVERIA SER UMA CELEBRAÇÃO É AGORA UM EMBARAÇO

Por fim, a votação para o Mundial 2023 foi complicada e está a criar uma divergência entre federações mundiais, com a África do Sul a sentir que houve algum atropelo na votação final, votação essa que não tomou em consideração as deliberações do comité independente.

O comité independente é organizado pelo board da World Rugby, que em casos de decidir o próximo anfitrião de Mundial só pode recomendar, como foi o caso da recomendação que fosse a África do Sul o novo host em 2023. Todavia, a decisão vai sempre para uma votação geral com a participação dos 39 países envolvidos… a África do Sul terminou em segundo, com a França a assumir a organização do Mundial de rugby em 2023.

Entre o Comité independente e a votação final, saiu o relatório que determinou a escolha do Comité na África do Sul e, de forma incrível, estava recheado de incoerências, com uma argumentação e estatística pouco real algo que lançou uma desconfiança perante a acção governativa da World Rugby.

A escolha da França para localização do próximo Mundial é a mais consensual do ponto de vista da convergência de vários factores (estruturas, dimensão do jogo, serviços e facilidade de acesso), mas então para quê é que existe o tal comité independente? E a votação final não terá sido algo polémica da forma como foi realizada?

Ao virar da segunda década do século XXI, a World Rugby é ainda uma instituição muito jovem e que ainda está a perceber o impacto dos seus actos a nível mundial, ficando na retina a vontade de crescer e expandir-se, mas por vezes sem ideia de como fazê-lo ou de como criar bases sólidas o suficiente para que as federações se mantenham sãs e capazes de exercer os seus poderes sem “tremores” desnecessários.

A falta de humildade, a postura pouco valorosa e o falhar no assumir dos erros são alguns dos erros graves da World Rugby, que tem de virar a página de forma célere e de entrar numa era mais “limpa” e consensual. Os países de Tier2 e Tier3 estão agora a começar a jogar rugby ou a tentar implementar de forma efectiva a modalidade na sua cultura desportiva e necessitam de apoio e estabilidade da organização que tutela o rugby… mas, como podemos ver por estes casos e factos, a World Rugby é, neste momento, uma instituição rodeado pelo manto de insuspeitas, desconfiança e falta de lógica.

Terá sido a Irlanda “vexada” pelo Comité independente?

 


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