Deve o rugby português exigir resultados das selecções de formação?

Francisco IsaacAbril 18, 201912min0

Deve o rugby português exigir resultados das selecções de formação?

Francisco IsaacAbril 18, 201912min0
Os resultados ditam ou não o futuro de um grupo de jogadores e seleccionadores na formação? Ou o foco e objectivo está no desenvolvimento dos atletas?

As Selecções Nacionais de rugby nos últimos 4 anos têm vindo a coleccionar medalhas e feitos que colocam as Quinas num patamar alto em termos da formação nunca antes alcançado e que vale a pena recordar:

– 2016: 3º lugar no Europeu de sub-18 | 3º lugar no Europeu de 7’s de sub-18

– 2017: 3ª melhor selecção europeia no Europeu de sub-18 | Campeão do Europeu de sub-20 | Vice-campeão Mundial Trophy de sub-20 | 5º lugar no Europeu de 7’s de sub-18

– 2018: meias-finais no Europeu de sub-18 | Campeão do Europeu de sub-20 | 3º lugar no Mundial Trophy de sub-20

– 2019: meias-finais no Europeu de sub-18 | Campeão do Europeu de sub-20

Nunca antes tinha acontecido isto ao rugby português, que face ao pouco investimento (geral) só por uma vez tinha conquistado o “ouro” em Europeus de formação (2012 frente à Geórgia numa final emotiva).

ALTERAÇÕES NA FORMAÇÃO E QUEDA NOS SÉNIORES

Lembrar que a partir de 2016 tudo mudou de figura com a saída das Home Nations (Inglaterra, País de Gales, Irlanda e Escócia) e Itália do Europeu de sub-18 em virtude do que aconteceu em 2015: a selecção comandada por Rui Carvoeira e Francisco Branco derrotou a Escócia em pleno europeu, o que forçaria a estes a jogarem pela descida ante a sua “vizinha” Irlanda, furando o esquema existente.

Com a Rugby Europe a mostrar-se irredutível na mudança dos modelos competitivos, as selecções das Ilhas Britânicas recusaram-se a comparecer mudando por completo e para sempre os torneios europeus de formação, naquilo que foi um cisma para a formação continental. Ou seja, a época de ouro do rugby português não começou com um levantar de um troféu, mas sim com uma vitória ante uma selecção que supostamente deveria ter uma dimensão superior até pelo financiamento e investimento que detinha e detém.

Este salto dado pela formação do rugby português não veio do nada, e em artigos anteriores já foi explicado e relembrado que estes esforços foram conseguidos por um melhor desenvolvimento e mais trabalhado da formação nos clubes, como do sucesso das academias regionais (que deixaram de existir entretanto) e de um trabalho duro e intenso por parte das equipas técnicas que não se ficavam pelo trabalho no “campo”, mas também pela observação de jogos, gestão de inícios de carreiras internacionais, etc.

Ironica ou curiosamente, o crescimento exponencial da formação do rugby português coincidiu com a queda do escalão sénior que entre 2015 e 2016 começou a cambalear e desceu de divisão tanto nos XV como 7’s, naquilo que pode ser entendido como um reinício de todo este escalão em termos de processos, ideias, equipa, entre outros. Isto significou que quaisquer sucessos (ou insucessos) das selecções de formação iam ser mais observados, discutidos, desejados e, de certa forma, exigidos, um pensamento que está totalmente errado quando falamos em formação.

FORMAR: A PALAVRA-CHAVE E REGRA DE OURO

O princípio comum a uma selecção de sub-18 e sub-20 é igual: formar jogadores para as selecções séniores, conferindo todas as “armas” possíveis a estes atletas para que possam crescer de forma constante e atingir um nível de exigência técnica e física de qualidade. O discurso do ganhar jogos ou de somar vitórias, deve ser entendido não como uma necessidade fundamental para o sucesso destes escalões, mas sim como um “extra” ou um objectivo terciário na construção de uma identidade una na formação.

Em Portugal, e como o seleccionador Nacional de sub-18, Rui Carvoeira, explicou numa entrevista concedida ao Fair Play em Abril de 2018, todo o processo de construção de uma selecção começa com,

“Por outro lado, a nossa preparação é uma tarefa de longo prazo. Inicia-se nos estágios regionais e nacional de sub-14, começa a tornar-se cirúrgica nos estágios regionais de sub-16, onde se estabelece a 1ª lista de profundidade, o que tem sequência nos treinos regionais e estágios nacionais de sub-17 e culmina nos treinos regionais e treinos e estágios nacionais de sub-18. Esta época, e sem contar com os treinos regionais, entre treinos e estágios nacionais realizámos 29 sessões de treino de campo.”.

Ou seja, é só nos sub-18 que os jogadores começam a ter os primeiros choques internacionais (até lá são as selecções regionais que vão encolhendo de estágio para estágio até terem grupos de atletas definidos) depois de anos de desenvolvimento dos skills básicos, da mentalidade de jogo e do sentido de trabalhar ao máximo possível, no edificar de uma ponte (ou várias) para o futuro da modalidade em Portugal.

Mas e os resultados não importam? Importam mais para o galvanizar dos próprios jogadores de formação do que no demonstrar de resultados para quem está de fora e no alimentar de expectativas dos adeptos, sejam pais, familiares, colegas, amigos dos atletas ou simplesmente fãs das selecções nacionais.

Luís Pissarra por exemplo nunca abdicou de dizer que os objectivos passavam por revalidar o título, um passo importante para o crescimento dos jogadores, para além dos torneios de sub-20 suscitarem uma resposta forte dos jogadores,

“O objetivo está bem definido pelo grupo: revalidar o título de campeões europeus e de preparar cada vez melhor/mais jogadores para a Selecção Nacional “A”. O garantir do título no campeonato europeu permite o apuramento para o World Rugby Trophy (Mundial “B” de sub-20), um passo essencial para conseguir esse crescimento dos nossos jogadores, pois é uma competição de um nível superior.

Vai ser também interessante ver como nos vamos comportar durante o Campeonato da Europa, a nível técnico e táctico, anímico e físico, como ultrapassar certas lesões, etc. É uma semana de três jogos muito intensos, com várias condicionantes e problemas que podem surgir à equipa, mas a equipa está muito bem fisicamente, preparada para aguentar a exigência física do jogo, talvez o melhor grupo neste aspecto dos últimos anos. A nossa capacidade defensiva vai ser um aspecto fulcral neste processo todo e os nossos jogadores estão muito focados nesse ponto.”

Foto: Rugby Europe

Ainda por mais no caso português há algo que tem de ser entendido e percebido: a ausência de um investimento sólido em experiências pontuais pré-europeus/mundiais acaba por ter um impacto negativo nos jogadores, a curto-prazo.

O que isto quer dizer? Significa que nos últimos 4 anos foram raros os jogos de preparação que tanto os sub-18 como os sub-20 tiveram a oportunidade em participar, apesar da selecção treinada por Luís Pissarra ter conseguido jogar dois jogos com o Canadá, um com a Espanha e um último com a França “B” (e ainda um amigável com o Técnico Rugby) em 2019.

Os sub-18 de Rui Carvoeira, auxiliado pelo treinador da selecção sénior Nuno Damasceno, tiveram a infelicidade de não ter as Escolas da Irlanda em Novembro de 2018, algo que vinha a acontecer nos últimos 2/3 anos e só em Março de 2019 é que este grupo de trabalho teve a oportunidade de dar a primeira experiência internacional ao grupo dos seleccionados frente à Espanha.

É extremamente difícil para qualquer grupo de jogadores jovens chegar a um Europeu e entrar em campo com só 80 minutos de experiência internacional nas “pernas” quando a maioria dos adversários tiveram possibilidade de realizar um mínimo de três jogos de preparação (caso da Bélgica que teve 5 jogos de preparação, alguns com selecções de divisões inferiores, mas sempre experiências importantes para o desenvolvimento da equipa), existindo alguma oscilação no que toca ao embate mental e experiência.

Os sub-20 queixaram-se do mesmo em 2017 e em 2018, apesar de um ano para o outro ter-se observado uma ligeira melhoria nos encontros de preparação, sem contudo estar ao nível desejado.

Para quem pense e tenha a certeza que treinar muito chega para desenvolver atletas, então era importante ler as entrevistas concedidas não só pelos seleccionadores e técnicos da Selecção Nacional, como de outras nações que explicam que um dos passos para o desenvolvimento dos atletas é colocá-los sob pressão em jogos internacionais, de forma a que estes percebam da necessidade de crescer mental e fisicamente.

A falta de competição impede uma evolução mais crescente, não oferecendo aos atletas a “dura” realidade de ter de aguentar com um adversário que entra em campo com as mesmas expectativas e com a mesma “fome” de marcar ensaios, fazer placagens, conquistar alinhamentos, derrubar legalmente mauls ou fazer um excelente turnover no breakdown.

A CULTURA DO TER QUE GANHAR VS O TER QUE FORMAR

Mas a cultura desportiva portuguesa parece estar sempre assente no princípio de que os “resultados justificam a confiança colocada nos treinadores”, quando é uma ideia completamente contrária aos verdadeiros valores e ideias por detrás dos escalões de formação.

Ganhar ajuda claro, mas não é a missão de quem selecciona e treina, pois o objectivo é alimentar os escalões séniores, tanto os de clubes como da selecção nacional, conferindo um grande número de atletas prontos a serem chamados aos trabalhos dos Lobos, caso tenham mantido os mesmo índices de trabalho pelo qual se pautaram nos sub-18 e sub-20.

Mas, e novamente um “mas”, a cultura desportiva portuguesa está enraizada que quando os atletas e treinadores participam em algo internacional é para se ganhar e ainda por mais no momento actual do rugby português que parece ser fácil chegar a medalhas nos Europeus de sub-18 ou 20, quando os adeptos esquecem-se que os objectivos são outros de um patamar superior e mais virados para o médio/longo-prazo.

Nem todos podem chegar às selecções de formação, apesar da oportunidade ser oferecida a muitos dos bons jogadores de rugby que militam em Portugal, existindo um caso ou outro pontual de atletas que nunca passaram pelas selecções de base e acabam por chegar às de sénior (caso de José D’Alte neste momento).

E como demonstração de que o que interessa é fornecer à selecção “A” sénior jogadores é ver o número de jogadores da mítica vitória ante a Escócia de 2015 que lá chegaram:

Manuel Picão, João Melo, Jorge Abecassis, Filipe Granja, David Wallis, Duarte Torgal, Frederico Filipe, João Granate, José Cabral, António Vidinha, Gonçalo Domingues, José Rebello de Andrade, Caetano Branco, Duarte Costa e Campos e Francisco Vassalo. São 15 jogadores de um grupo de 26 que deram o salto de 2015 e de então para hoje já representaram a selecção A, sem contabilizar os 7’s.

É ou não demonstração que a formação no rugby português é um caso de sucesso com um investimento que ainda tarda por ser mais profundo e perene?

É ou não verdade que as equipas técnicas de selecções base têm trabalhado num nível de grande profissionalismo, mesmo quando a situação actual do rugby português não dê grande “asas” ao profissionalismo?

Porquê então exigir “resultados” e “cabeças” quando os objectivos estão centrados em desenvolver atletas e cidadãos, a trabalhar junto dos clubes (e não para, uma distinção importante a fazer) e a continuar a produzir atletas nacionais que cresçam e sejam referência da modalidade.

Não fossem as actuais brilhantes e trabalhadoras gerações do rugby português (e aqui se incluem os vários treinadores de clubes também) e a Selecção Nacional estaria entregue a um destino complicado de gerir e sem certezas do seu futuro. Portugal joga o 3º e 4º lugar do Europeu dos sub-18 no sábado às 14h30 (Rugby Europe TV) e os sub-20 voltam a entrar em campo em Julho no Brazil, em São José dos Campos (perto de São Paulo) para o Mundial “B”.

A cultura resultadista não pode interferir com a cultura de formação e não pode ser definidora do futuro ou não dos jogadores, nem de julgar ou não a qualidade ou espírito de sacrifício de um determinado atleta ou do profissionalismo e visão de um seleccionador nacional.

O sucesso não é atingido pelos resultados.. é pelo trabalho (Foto. Luís Cabelo Fotografia)

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