“Auckland, temos um problema” – 5 razões para a derrota dos All Blacks

Francisco IsaacOutubro 23, 201714min0

“Auckland, temos um problema” – 5 razões para a derrota dos All Blacks

Francisco IsaacOutubro 23, 201714min0
Cinco razões para perceber as razões da derrota dos All Blacks em terras australianas! Descobre-as neste artigo e fica a perceber o futuro da Nova Zelândia

“Auckland… temos um problema” seria um título perfeito para um filme sobre o que se passou em Brisbane (na região de Queensland), na Austrália. Os All Blacks ao fim de 810 dias perderam de novo contra os Wallabies, algo quase impensável há três meses atrás. O que se passou? Como é que a selecção que domina há anos o ranking mundial cai com tanta “facilidade”? Falhou a equipa técnica neozelandesa ou foram os jogadores que não replicaram o plano de jogo?

O Fair Play apresenta cinco razões para a queda (momentânea?) dos All Blacks para perceber melhor o futuro dos bicampeões mundiais


ESCOLHAS QUE NÃO SERÃO OPÇÕES EM 2019

Sem papas na língua: Lima Sopoaga, Luke Romano, Kane Hames, Waisake Naholo são alguns nomes que não devem figurar na lista de convocados para o próximo mundial. Sopoaga então demonstrou nos últimos dois jogos o porquê de não pode ser ele o “manobrador” de jogo dos All Blacks, apesar de todo o requinte técnico que possui.

No último jogo do Rugby Championship, Beauden Barrett foi forçado a sair devido a uma possível concussão (sofrida quando “galgou” metros para dar o ensaio à Nova Zelândia) o que possibilitou a Lima Sopoaga jogar a partir dos 30 minutos de jogo. Durante os 60 minutos restantes (sim, porque a primeira parte ainda continuou muito para lá dos 40 minutos regulamentares), a Nova Zelândia foi desaparecendo do jogo em termos ofensivos, focando-se só na defesa e na saída em contra-ataque (veja-se os ensaios de Rieko Ioane e Damian McKenzie).

Sempre que Sopoaga recebia a oval, o jogo “paralisava”, não existindo qualquer mudança de velocidade ou um detalhe genial que abrisse espaço na defesa sul-africana. Mesmo assim, a penalidade que deu a “almofada” de conforto necessária, nasceu de uma falta que o próprio médio-de-abertura sofreu e que o 10 converteu sem problemas.

Com uma nota “mediana” pelo desempenho contra os Springboks, Sopoaga teria de ser um jogador completamente diferente no encontro ante a Austrália. Infelizmente para os All Blacks e adeptos da Nova Zelândia, não só foi um jogador que “estagnou” o jogo atacante dos kiwis, como ainda deu um ensaio de avanço aos Wallabies, logo aos 10 minutos de jogo: o abertura recebe a oval de Aaron Smith e invés de segurá-la, arrisca num passe, que para além de torto e mal concebido, vai lento o que possibilitou uma intercepção fácil de Reece Hodge.

Para além desse momento menos feliz, Sopoaga nunca foi um bom manobrador de jogo, esteve mal na compreensão e leitura da linha defensiva australiana e cinco dos seus dezassete pontapés foram directos para as mãos do três de trás, possibilitando Folau de ganhar bons e valiosos metros.

Ou seja, Sopoaga foi um jogador muito medíocre para uma selecção que tem de ter os melhores a jogar… Contudo, as críticas não vão só para Sopoaga, que voltou a não aproveitar uma boa oportunidade para se afirmar, mas também para o seleccionador neozelandês.

Steve Hansen não aposta em Richie Mo’unga, por motivos inexplicáveis (o médio-de-abertura foi um dos melhores jogadores do Super Rugby ao serviço dos campeões Crusaders em 2017) e até está a pensar converter Damian McKenzie num médio-de-abertura suplente para Beauden Barrett. Isto significa automaticamente que deixará de existir lugar para Lima Sopoaga, dentro de pouco tempo, nos All Blacks, o que demonstra que há pouca ou nenhuma confiança de Hansen no nº10 dos Highlanders.

As lesões de Ben Smith, Israel Dagg e a saída de Aaron Cruden limitaram bastante as escolhas de Hansen nas convocatórias… mas a aposta em Sopoaga não terá sido prematura e errada? Os dois últimos jogos não deverão servir de alerta para Steve Hansen? A falta de velocidade, a ausência de intensidade e a pouca “garra” do abertura não serão pormenores suficientes para repensar o seu lugar nos convocados?

Para estas contas também entram os casos de Luke Romano, Kane Hames (o pilar pode formar bem na Formação Ordenada, mas no jogo jogado estava vários furos abaixo em comparação com alguns colegas que não foram convocados para a selecção como Jeffery Toomaga-Allen), Waisake Naholo (o início espectacular contra os Wallabies desapareceu por completo ao fim de 20 minutos de jogo, estando bem longe do que Julian Savea podia dar à selecção ou até Seta Tamanivalu) e, até, Liam Squire (não se percebe a introdução do 6 na equipa quando podia e devia-se apostar em Ardie Savea) todos nomes com potencial para serem “esquecidos” em 2019 das convocatórias.

A JUVENTUDE E A PRESSÃO – SEGREDO PARA 2019

Damian McKenzie é o rosto da nova geração de All Blacks que estão aos poucos a ganhar o seu lugar na selecção bicampeã mundial. A somar ao defesa, podemos juntar os nomes de Rieko Ioane, Anton Lienert-Brown, David Havili, Jordie Barrett (lesionado desde Julho, com uma luxação no ombro), Ardie Savea, Vaea Fifita, Nathan Harris ou Ngani Laumape. Todos estes têm entre os 20 e os 24 anos de idade e em 2019 estarão prontos para “brilhar” no Mundial no Japão.

Mas o que isso significou no jogo frente aos Wallabies? Inexperiência… que paga-se muito caro em jogos de altíssima pressão quando especialmente há ausência de uma liderança e voz de comando “séria”, o que leva aos mais novos a entrar numa espiral de erros. McKenzie foi apanhado por três ou quatro vezes na “teia” de ataque dos australianos, com dificuldades em perceber o que Kurtley Beale ou Israel Folau iriam fazer com a bola nas mãos. O timing de saída ao portador da bola foi sempre atrasado ou demasiado apressado, o que possibilitou um ensaio para Folau na segunda-parte.

Não só isso, como o pontapé em jogo de McKenzie foi quase sempre precário e deu boas hipóteses de contra-ataque para os australianos, que numa situação de 3 para 2 aproveitaram para deflagrar um autêntico “fogo” na defesa ao largo dos All Blacks.

Rieko Ioane também sofreu dos mesmos problemas de pressão, num jogo onde teve poucas possibilidades para brilhar (a Austrália reagiu excelentemente bem às quebras-de-linha do ponta de 20 anos, não entrando em pânico e reorganizando-se rapidamente) e também foi “engolido” em certos momentos por Reece Hodge ou Bernard Foley.

Sam Cane, que atingiu as suas 50 internacionalizações aos 25 anos de idade, foi outra das desilusões já que foi responsável por quatro penalidades, três falhas de placagem (tentou remediar com uma excelente placagem a Rob Simmons) e não surgiu no capítulo dos turnovers (maioritariamente feitos por Kieran Read ou Samuel Whitelock). Para um asa que está “etiquetado” como o próximo Richie McCaw, Sam Cane continua a apresentar sérios problemas de consistência exibicional, especialmente no que toca a levar a bola.

A Austrália foi mais experiente nos momentos capitais do jogo, soube controlar melhor as emoções (por vezes Dane Coles ou Sam Cane exageraram no confronto físico, assim como os mais “novos” deixaram-se ir no momentum australiano, não esboçando qualquer reacção) e dominou bem o controlo de bola (chegaram a ter 70% de controlo da oval já bem dentro da 2ª parte). A experiência é, sem dúvida alguma, uma vantagem enorme nestes jogos.

MAS QUEM É QUE LIDERA? É UM CAPITÃO OU SÃO CAPITÃES?

Confusão total instalada nos All Blacks durante alguns momentos do jogo… ora era Kieran Read a falar com o árbitro, ora era Sam Cane a fazer sucessivas perguntas ao juiz de jogo e até Samuel Whitelock intervinha. Foi um “festim” de cabeça perdida em Brisbane.

Numa selecção total e bem preparada como é o caso dos All Blacks, pairou no ar uma certa nuvem de dúvida em relação à liderança e voz de comando dentro da equipa. Kieran Read tem sido um “monumental” capitão desde que assumiu a braçadeira (após o abandono de Richie McCaw), mas neste jogo ante a Austrália teve vários problemas em conferir estabilidade e confiança à sua equipa.

Algo se passa, já que nos últimos dois meses, a Nova Zelândia tem errado muito mais no capítulo da posse de bola (vários avants e alguns altamente incaracterísticos) e na paciência em montar boas fases de ataque, o que por vezes trouxe vários dissabores para os neozelandeses. Frente à Austrália, o nº8 neozelandês não soube controlar a frustração (perante algumas decisões de Wayne Barnes) e isso acabou por passar para os restantes membros dos All Blacks.

Talvez foi só neste jogo que se assistiu a esta “confusão” de lideranças, com dois ou três jogadores a darem indicações, a não terem a calma e paciência devida e respeitar a hierarquia… a Bledisloe já estava no “regaço” mas uma derrota destas pode deixar sequelas.

CALENDÁRIO APERTADO E O RESCALDO DOS LIONS E SUPER RUGBY

2017 tem sido um ano “longo” para os All Blacks em termos de preparação e jogos de altíssimo nível com os encontros frente aos Lions (não foi só a Selecção principal a jogar contra os melhores dos melhores das Ilhas Britânicas, também todos as franquias do Super Rugby e os Maori All Blacks jogaram), o Rugby Championship (carregado de lesões e problemas físicos de vários dos titulares) o que meteu a equipa em Red Line, em termos de cansaço e esforço.

Todos sabiam que 2017 ia forçar a que o grupo de trabalho dos All Blacks fosse bem largo, não só com 33 mas com quase 50 possíveis escolhas para os convocados, uma vez que era necessário estarem preparados para todas as eventualidades.

Com as lesões, licenças sabáticas, vários “adeus” e “afastamentos” por problemas disciplinares a Nova Zelândia perdeu cerca de treze jogadores, dez dos quais entrariam logo para o 15 titular. Façamos uma comparação da equipa que começou contra a Austrália com o melhor XV neozelandês:

ALL BLACKS VERSUS AUSTRÁLIA (21 DE OUTUBRO)

All Blacks 3rd Bledisloe - vs Australia 3rd match Bledisloe - Rugby lineups, formations and tactics

Suplentes: 16 Codie Taylor, 17 Wyatt Crockett, 18 Ofa Tu’ungafasi, 19 Patrick Tuipulotu, 20 Ardie Savea, 21 TJ Perenara, 22 Anton Lienert-Brown, 23 David Havili;

POSSÍVEL MELHOR ONZE ALL BLACKS

All Blacks Best - Best All Blacks Team - Rugby lineups, formations and tactics
Suplentes: 16 Codie Taylor, 17 Wyatt Crockett, 18 Charlie Faumuina, 19 Scott Barrett, 20 Ardie Savea, 21 TJ Perenara, 22 Aaron Cruden, 23 Rieko Ioane/Damian McKenzie;

O 2º XV que apresentamos é apenas uma proposta, uma vez que Rieko Ioane poderia muito bem entrar por Julian Savea e Ryan Crotty merece também fazer parte do XV. Todavia, as soluções que Malakai Fekitoa dava à equipa eram imensas (jogador altamente físico, com uma capacidade de mudar de velocidades ímpar) e que fazia diferença nestes All Blacks.

Outra solução poderia ser o agora lesionado (de novo) Nehe Milner-Skudder, que estava a realizar uma excelente campanha no Rugby Championship. Damian Mckenzie apesar de aquele virtuosismo que dá está muito atrás de Ben Smith, que realmente é um jogador completamente diferente, com uma classe e inteligência fora de série.

Veja-se que a 22 de Outubro os lesionadores/afastados/transferidos/ausentes por força maior são os seguintes: Owen Franks (lesão), Joe Moody (lesão), Charlie Faumuina (lesão e saída para França), Broadie Retallick (problemas de ordem pessoal), Jerome Kaino (problemas de ordem pessoal), Matt Todd (lesionado), Beauden Barrett (lesão), Aaron Cruden (saída para Inglaterra), Malakai Fekitoa (saída para França), Israel Dagg (lesão), Julian Savea (afastamento dos trabalhos da selecção por motivos não esclarecidos), Jordie Barrett (lesão) e Ben Smith (licença sabática).

Isto significa que há jogadores nos convocados que já são os suplentes dos suplentes e que ainda não têm um lugar certo nos All Blacks de momento, mas por força maior foi necessário os integrar e dar a titularidade ou condição de suplente.

Não é uma desculpa, mas é sim a realidade do estado da “Nação” da Nova Zelândia… os dez titulares fariam diferença no XV All Black? Toda a certeza que sim, mas cabe à equipa técnica dos kiwis construir um grupo sólido, forte e com capacidade de dar resposta nos piores momentos, algo que a Austrália está a fazer desde 2016 (vários pontos para Michael Cheika neste “sector”).

No fim de contas… os All Blacks têm, neste momento, 40 internacionais activos e que podem ser chamados pelo staff técnico. Por outro lado, há oito jogadores fundamentais para a estratégia: Dane Coles, Broadie Retallick, Samuel Whitelock, Kieran Read, Beauden Barrett, Sonny Bill Williams, Rieko Ioane e Ben Smith.

WALLABIES E O PROTÓTIPO DO JOGO PERFEITO

O último ponto vai para como os australianos souberam parar os dinamismos dos neozelandeses, aplicando um excelente “anti-biótico” para o “veneno” que o ataque kiwi. Uma defesa consistente e agressiva (Tevita Kuridrani está de volta, com uma força total e um capacidade monumental em conseguir parar o opositor adversário, ou conseguir reagir rapidamente a uma situação de quebra-de-linha e devolver estabilidade à 2ª cortina de defesa), em que o “roubo” de bola no chão é imediato (nove turnovers no último jogo, que castigaram os neozelandeses com 6 penalidades só nesse sector) e onde não há espaço para entrar em “pânico”.

A equipa australiana geriu o jogo na 2ª parte como quis, só sofreu durante dez minutos, mas nunca foi abaixo, mantiveram uma excelente postura, concentrados e focados em aguentar com a pressão dos visitantes. Veja-se o avant de Sam Cane, que proveio de uma excelente atitude da defesa, onde a agressividade na placagem e a pressão alta aplicada forçaram os neozelandeses a perder bolas.

A Austrália nunca desesperou com a oval nas mãos, mesmo com alguns avants, que provieram maioritariamente da vontade de fazer algo diferente do que erros de transmissão ou de entrada no contacto, nunca desesperaram e jogaram sempre no limite. O par de centros foi essencial para toda a manobra, com a dupla Beale-Kuridrani a dar uma assistência essencial à estratégia defensiva delineada e posta em prática por Folau e o restante três-de-trás.

Por isso: eficácia na primeira placagem, reacção rápida no breakdown, pressão alta colectiva, agressividade na formação ordenada, recuperação imediata nas quebras-de-linha e ataque eficaz e sólido. Os básicos foram levados ao seu máximo e, a certa altura, quebraram com a manobra e estratégia da Nova Zelândia. Mérito para a Austrália que há três meses estava no “fundo do poço” e agora volta a meter a “cabeça no ar”.

Em suma foram 5 factores: soluções “b” que não servem para jogos de alta pressão; inexperiência de alguns jogadores que abre “brechas”; ausência de uma liderança estável e capaz de guiar a equipa em momentos-chave; lesões de certas peças importantes e o impacto dessas ausências na equipa; subida de forma e intensidade por parte da Austrália.

Foto: Getty Images

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