Futebol de Praia 2017: O Ano em Revista

André CoroadoDezembro 30, 201714min0

Futebol de Praia 2017: O Ano em Revista

André CoroadoDezembro 30, 201714min0
2017 foi um ano pródigo em surpresas, desilusões, evoluções rápidas e mudanças de paradigma. Tanto em Portugal como no resto do mundo, o futebol de praia deu provas de crescimento, continuando em expansão acelerada. O Fair Play recua um ano e traz-lhe o resumo do que de mais relevante se passou em 2017, procurando extrair as ideias principais do que se passou no mundo do futebol de praia nos últimos 365 dias.

Surpresas e desilusões no apuramento para o mundial

O ano de 2017 ficar sem dúvida marcado pelo Campeonato do Mundo FIFA realizado em Nassau, Bahamas, nos meses de Abril e Maio. No entanto, se as Caraíbas foram o epicentro do futebol de praia mundial nesse momento, a sucessão de torneios de qualificação um pouco por todo o mundo nos meses que antecederam o maior evento do ano também revela muito acerca do estado actual do desenvolvimento da modalidade ao redor do globo.

Na qualificação asiática, disputada em Kuala Terengganu, Malásia, foi sem surpresa que os espectadores assistiram à consagração do Irão como campeão continental, recuperando o título que lhe fugira na edição anterior. A grande sensação da prova foi o conjunto dos Emirados Árabes Unidos, que superou Japão e Líbano para voltar a marcar presença num mundial, ainda que uma pesada derrota por 7-2 diante dos persas os tenham privado do título. Também o Japão alcançaria o apuramento, ainda que de forma atribulada, por via do triunfo sobre o Líbano no jogo de atribuição do 3º lugar. A nação do Mediterrâneo voltou assim a falhar por muito pouco o mundial (segundo 4º lugar consecutivo, com derrotas tangenciais nas meias finais), adiando a estreia para uma ocasião posterior. A grande desilusão do torneio foi Omã, campeã asiática em título que desta vez não passou a fase de grupos da qualificação.

Peyman Hosseini, eleito melhor guarda-redes do mundo em 2017, foi uma das chaves para o sucesso do Irão [Foto: BSWW]

Se na Ásia não houve estreantes, o mesmo não se poderá afirmar relativamente às Américas. A arena de Nassau, qual ensaio geral para o mundial, acolheu a qualificação da CONCACAF e foi contra todas as expectativas que assistiu à ascensão do inexperiente Panamá ao estatuto de campeão continental. No seu segundo torneio, os panamenhos desbarataram a concorrência de potências locais como Costa Rica, EUA e El Salvador para garantir o apuramento, derrotando também um México de renovada pujança na final. Se os mexicanos também estão apurados, o mesmo não se pode afirmar das equipa acima citadas, cujos investimentos na qualificação para o mundial saíram gorados (particularmente o dos salvadorenhos, que falham o segundo mundial consecutivo após as presenças no top 8 em 2011 e 2013).

Por seu turno, Assunção foi a cidade escolhida para receber a qualificação sul-americana, da qual também sairia um estreante: a selecção do Equador, que ao terceiro embate contra a Argentina na luta pela terceira vaga de acesso ao mundial conseguiu quebrar o enguiço e garantir a presença no mundial das Bahamas, numa partida em que teve de lutar contra uma desvantagem de 2 golos. A albiceleste acabaria por falhar assim o seu primeiro mundial, mercê de 2 anos de grande desorganização a nível federativo. Brasil e Paraguai, entretanto, confirmaram o seu estatuto de principais potências sul-americanas a larga distâncias dos rivais, assegurando a qualificação com segurança, num torneio em que a selecção Canarinha se sagrou campeã com toda a justiça e sem contestação.

Brasil campeão do mundo, 8 anos depois

A qualificação sul-americana somou-se ao currículo imbatível dos comandados de Gilberto Costa em 2016 como prelúdio do regresso da hegemonia brasileira em Nassau. A capital das Bahamas foi palco de uma demonstração cabal de força por parte do Escrete, que desbaratou a oposição com relativa facilidade, vencendo todos os jogos por margens dilatadas, à excepção da partida dos quartos de final frente a Portugal. A equipa lusa classificara-se no 2º lugar do grupo C em consequência de uma derrota frente ao Paraguai, pelo que se viu obrigada a medir forças com o Brasil no confronto mais entusiasmante da prova, que acabaria decidido a favor dos sul-americanos graças a um pontapé de bicicleta formidável de Rodrigo nos minutos finais (4-3). O pódio da competição acabaria completado por Taiti e Irão: pelo segundo mundial consecutivo, a nação insular alcançou a final, mas os erros defensivos de uma equipa que recorre sistematicamente ao 2:2 e se expõe demasiado acabaram por ditar uma pesada derrota por 6-0, que não deslustra em nada a brilhante campanha realizada até então. O Irão, por sua vez, contou com o comando de Marco Octávio e a veia goleadora de Ahmadzadeh (Bola de Ouro do torneio) para alcançar a 3º posição, numa edição que, pela primeira vez, não contou com qualquer equipa europeia nos 3 primeiros. A Itália, liderada por um imparável Gori (melhor marcador com 17 golos em 6 jogos) foi a única equipa a contrariar ligeiramente esta tendência, mas ainda assim não passou do 4º lugar após uma primeira fase muito promissora.

A arena montada em Nassau, Bahamas, acolheu o mundial 2017 com pompa e circunstância [Foto: The Tribune]

O mundial ficou ainda marcado pelo poder físico do Senegal (que mesmo assim acabou goleado pela Itália nos quartos), pela organização táctica irrepreensível dos Emirados Árabes Unidos (apesar de não terem passado a fase de grupos, venceram o Paraguai de Guga Zloccowick e forçaram um prolongamento frente a Portugal) e pelo talento nipónico personificado por Goto e pela nova vaga de jovens do sol nascente (ainda que também não tenham alcançado os quartos). Bahamas, Equador e Panamá estrearam-se no mundial sem brio, não obstante uma histórica vitória dos anfitriões sobre os equatorianos na última jornada da fase de grupos.

A resposta europeia: Winners Cup e Euro League

Após um mundial amargo para as hostes europeias (algumas das quais nem haviam marcado presença, como Rússia, Espanha e Ucrânia), era com expectativa que se aguardava o desenrolar dos acontecimentos na temporada de Verão no velho continente. A primeira competição da época deslocou as atenções para os clubes: falamos da Euro Winners Cup, que pela primeira vez deixou Itália para se alojar na vibrante Praia da Nazaré, que acolheu ainda uma pre-eliminatória de apuramento aberta a todos os interessados e também a competição feminina homóloga. Num evento que foi unanimemente considerado um sucesso, o campeonato português fez-se representar pelo campeão Sporting, pelo vice-campeão Braga e pelos anfitriões da ACD “O Sótão”, mas também pelo CD Nacional, que obteve a qualificação por via da pre-eliminatória.

Jordan Santos representou o Braga em 2017 e foi um dos grandes destaques do ano, tanto no clube como na selecção portuguesa [Foto: SC Braga]

O Braga acabaria por se sagrar campeão da prova, contabilizando por vitórias todas as partidas disputadas e ultrapassando a feroz concorrência dos melhores emblemas europeus. Vale a pena ressaltar a enorme qualidade do trabalho desenvolvido internamente na Rússia, que colocou 4 equipas do seu campeonato nos quartos de final da prova, mas também o domínio do Brasil, expresso na presença avassaladora de jogadores deste país entre as figuras mais icónicas das equipas qua atingiram as fases decisivas da prova. A selecção brasileira, de resto, encontrava-se praticamente distribuída entre o campeão Braga (que conjugava metade da selecção portuguesa com metade da Canarinha) e o finalista Lokomotiv de Moscovo. No torneio feminino, o bom trabalho das equipas espanholas, inglesas e russas voltou a ser posto em evidência, mas foi ao Havana Shots Aargau que coube a honra de erguer o troféu, constituindo a segunda equipa suíça a conquistar o título após o triunfo dos Grasshoppers em 2016.

A Liga Europeia trouxe de volta o futebol de praia de selecções europeias, o que significou também a estreia de Belgrado (Sérvia) e Warnemunde (Alemanha) como destinos da prova, consolidando outros como Moscovo (Rússia), Siófok (Hungria) e Terracina (Itália), que acolheu a Superfinal. Também a Nazaré tornou a vincar a sua presença, albergando a etapa de maior dimensão da fase regular, sinalizando o importante investimento realizado pelo município do Oeste português na modalidade. A nível desportivo, o equilíbrio que se tinha vindo a notar nas últimas épocas foi ainda mais exacerbado, o que não obstou à emergência de Portugal como equipa dominante da fase regular: 6 vitórias em outros tantos encontros para os lusitanos, num total de 15 pontos conquistados em 18 possíveis, deixavam clara a mensagem de que Portugal estava em boa forma e preparado para lutar por novos títulos. No entanto, o ceptro continental acabaria nas mãos da Rússia, que foi crescendo ao longo da temporada e fez da sua exímia organização defensiva a principal arma para, passo a passo, trepar cada degrau rumo ao trono europeu. Não restam dúvidas de que lusos e russos estão efectivamente um patamar acima da demais concorrência europeia nesta fase, atendendo à regularidades das prestações e resultados.

Ainda no âmbito da Liga Europeia vale a pena lançar um olhar geral sobre os outros estandartes. A Espanha foi uma das equipas que protagonizou uma excelente evolução e demonstrou ter condições para voltar a lutar por títulos a curto prazo, conforme o atestaria a vitória na Copa Lagos (Nigéria) já em meados de Dezembro. A Suíça voltou a apresentar um futebol de praia de altíssimo nível, mas mais uma vez revelou falta de organização e disciplina nos momentos determinantes, contrariando a tendência evolutiva que se verificara durante o ano de 2016. Também a Itália voltou a dar provas de grande irregularidade, realizando uma fase regular muito fraca, mas reerguendo-se na Superfinal diante do seu público para alcançar um 3º lugar bastante digno, ainda que em termos exibicionais nunca tenha sido verdadeiramente consistente. A Ucrânia encontra-se num período de renovação profunda, que apesar de se ter reflectido no tímido 7º lugar averbado na Superfinal não deve ser tomada como um erro, até porque os ucranianos foram a segunda equipa mais bem classificada na fase regular atrás de Portugal.

Finfalmente, a fronteira entre as divisões A e B há que destacar a permanência do Azerbeijão, que apesar de ter sentido muitas dificuldades na elite europeia conseguiu manter-se no principal escalão, e a descida da Grécia, que desta feita acabou por não resistir à pressão de um grupo de equipas muito acima do seu nível. Os gregos serão assim substituídos pelos vizinhos do outro lado do mar Egeu, dado que a divisão B foi conquistada brilhantemente pela Turquia de Baris e Cem.

Domínio do norte em areias lusitanas

Em Portugal, o campeonato nacional foi reconquistado pelo Braga, que derrotou o Sporting na partida decisiva nas grandes penalidades. Ambas as equipas contavam com grandes nomes do futebol de praia nacional e internacional, numa partida que acabou por ser uma autêntica guerra das estrelas, valorizando a qualidade do campeonato luso. No entanto, as melhores notícias para a modalidade no nosso país prendem-se com o trabalho desenvolvido pelos restantes clubes das divisões de elite e nacional, responsáveis pelo aumento do nível competitivo registado. Nesse sentido, vale a pena destacar as prestações de GRAP e CD Nacional, 3º e 4º classificados respectivamente, que lograram alcançar a final four, deixando pelo caminho equipas que poderiam porventura ser consideradas favoritas. Em sentido inverso, a Casa do Benfica de Loures falhou a presença nos 4 primeiros e garantiu a muito custo a manutenção, graças a uma vitória sobre o Vitória FC no encontro decisivo (os sadinos já haviam assegurado a permanência). O Belenenses, primeiro campeão nacional em 2012, acabou despromovido, assim como o recém-promovido Vila Franca do Rosário.

CD Nacional e Sporting CP alcançaram a final four da divisão de elite [Foto: FPF]

A divisão nacional voltou a trazer uma zona sul muito combativa e prolífica em matéria de golos marcados, com boas indicações de Alfarim e Barreiro SZ, e uma zona centro onde a ACD “O Sótão” se impôs, pese embora as boas estreias de Buarcos e Casa do Benfica das Caldas da Rainha. Seria, porém, na zona norte que o nível do futebol de praia praticado se destacaria, numa luta acérrima pela ascensão na qual tomaram parte vários antigos internacionais portugueses. Chaves, Leixões e Varzim garantiram a presença nos quartos de final, tendo os homens de Matosinhos e da Póvoa de Varzim assegurado o regresso ao principal escalão português no momento em que garantiram o acesso à final. O confronto nortenho ditaria ainda o triunfo de um Leixões reforçado internacionalmente, deixando a certeza de que o futebol de praia a norte do Douro se encontra de boa saúde. A elite de 2018 será assim composta por Braga, Varzim, Leixões, GRAP, Casa do Benfica de Loures, Sporting, Vitória FC e CD Nacional.

Brasil confirma hegemonia, Portugal na perseguição

As restantes competições de cariz global do ano, tal como temos vindo a comentar, confirmaram o domínio ostensivo do Brasil no panorama mundial. Aludimos, naturalmente, às conquistas do Mundialito e da Copa Intercontinental por parte do Brasil, ambas competições em que os sul-americanos derrotaram Portugal nos jogos decisivos. Torna-se claro que a equipa das quinas se encontra numa primeira linha de adversários que podem fazer frente ao Brasil, que encontra sem dúvida em Portugal o seu mais temível oponente. No entanto, há que reconhecer que, neste momento, o Brasil detém o estatuto isolado de primeira potência mundial, um posto que tem vindo a cimentar de dia para dia.

O Brasil venceu Portugal por 6-4 no Mundialito de Futebol de Praia Cascais 2017 [Foto: BSWW]

Mais ainda, o triunfo do Brasil no campeonato sul-americano sub-20 permite entrever um futuro risonho para a modalidade no país, fruto da forma estruturada como o futebol de praia começa a ser organizado. Portugal, Rússia, Irão e Taiti serão porventura as equipas que maiores condições apresentam neste momento para fazer frente ao Brasil, mas terão pela frente uma dura tarefa no sentido de percorrer a diferença que os separa dos actuais campeões do mundo.

Concretamente no caso de Portugal, há que valorizar a mudança de paradigma a que assistimos hoje no seio da selecção, com a aposta em jovens promessas como Ricardinho (Sporting), Pedro Silva (CD Nacional) e João Gonçalves (Casa do Benfica de Loures), que figuraram consistentemente nas convocatórias para as competições oficiais, tal como o regresso de Duarte Vivo, após uma excelente época ao serviço do Sporting. A realização de um estágio de observação no início de Dezembro com vários jovens atletas de diferentes equipas, tendo em vista a criação de uma selecção de sub-21, revela também a preocupação com a preparação do futuro, sem descurar o presente. Há que dar continuidade a essa linha de trabalho, para que o futebol de praia português continue prolífico e vibrante.

 


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