SAD ou SDUQ? A Questão do Futebol Português

Francisco da SilvaNovembro 25, 20176min0

SAD ou SDUQ? A Questão do Futebol Português

Francisco da SilvaNovembro 25, 20176min0
O futebol nacional assiste há algum tempo ao eterno dilema SAD ou SDUQ. Aos argumentos válidos e sólidos de parte a parte, o Fair Play decidiu associar dados estatísticos para alimentar esta decisão essencial para os clubes portugueses.

O mundo empresarial no século XX está intimamente ligado à profunda transformação do modelo de organização e gestão das empresas. Do ambiente laboral informal ao gabinete irrepreensivelmente profissional, do líder paternal ao conselho de administração, da firma familiar à multinacional, o crescimento de novas formas jurídicas das sociedades tornou as organizações mais profissionais, adaptáveis e, fundamentalmente, mais eficazes e eficientes.

Em Portugal, as sociedades comerciais assumiram principalmente designações como “Sociedade Anónima”, “Sociedade por Quotas” e “Sociedade Unipessoal por Quotas”, cada uma delas divergindo quanto ao número mínimo de acionistas, capital social mínimo requerido para constituir a sociedade, direitos dos acionistas minoritários e responsabilidades inerentes aos acionistas.

Ao tsunami de transformações organizacionais não escaparam ilesos os clubes desportivos portugueses com legítimas aspirações a disputar os campeonatos profissionais. O que a vontade dos dirigentes desportivos não foi capaz de decidir, o decreto-lei nº 10/2013 tratou de resolver pela via legal. O regime das sociedades desportivas estabeleceu que a partir da temporada 2013/2014 todos os clubes a disputar campeonatos profissionais teriam que obrigatoriamente optar por um de dois modelos: Sociedade Anónima Desportiva (SAD) ou Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ).

A Argumentação

Os maiores defensores das SDUQs têm frequentemente defendido que este tipo de sociedade comercial é a única forma dos clubes preservarem a sua identidade e integridade institucional, uma vez que a titularidade do capital social pertence em exclusivo ao clube fundador. Por outro lado, atendendo a que o capital mínimo das SDUQs é de 250.000€, se o clube estiver na 1ª Liga, ou de 50.000€, se o clube militar no segundo escalão profissional, isto é, bem abaixo dos valores mínimos de uma SAD (1.000.000€ na 1ª Liga e 200.000€ na 2ª Liga), os arguentes das SDUQs referem que esta forma jurídica permite aos clubes ajustar o seu modelo de organização e gestão à realidade económico-financeira do país, prevenindo como tal eventuais excessos desportivos e financeiros dos dirigentes.

Do outro lado da barricada, surgem também argumentos igualmente válidos e recorrentemente debatidos. As SADs continuam a ser vistas como a melhor configuração caso os clubes pretendam facilitar a entrada de novos investidores, dado que o clube apenas necessita de ter um mínimo de 10% do capital social, podendo a restante porção estar dispersa em inúmeros acionistas. Também a obrigatoriedade de nomeação de Revisores Oficiais de Contas é uma circunstância utilizada em defesa da constituição de uma SAD, pois esta obrigação levaria a uma maior profissionalização e transparência da gestão financeira do clube. Em última instância, os defensores das SADs salientam a mais valia desta forma jurídica como instrumento de organização de toda a estrutura do clube, de elevada capacidade de integração e agregação, própria assim de empresas ambiciosas. Se a SAD é vista como um atalho para aproximar os “pequenos clubes” dos “grandes”, as SDUQs são classificadas como formas pouco profissionais e associadas a entidades sem grandes objetivos.

A Distribuição

A distribuição competitiva das SDUQs e SADs em 2017/2018 apresenta um perfil heterogéneo consoante o campeonato profissional que se analise. Mais homogéneo é indubitavelmente a distribuição geográfica das SDUQs, que se situam quase em exclusivo na zona norte e central de Portugal Continental.

 

Tal como ilustrado no gráfico acima, na Liga NOS cerca de 83% dos clubes são geridos por intermédio de uma Sociedade Anónima Desportiva, ou seja, isto significa que de um total de 18 emblemas, somente o Rio Ave FC, o CD Tondela e o FC Paços de Ferreira detêm o controlo exclusivo do clube por via de uma Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas. Já na Ledman LigaPro, existe um maior equilíbrio na forma jurídica como os clubes estão organizados. No conjunto das 20 formações que disputam o segundo escalão, 11 delas são atualmente geridas por intermédio de uma Sociedade Anónima Desportiva. Alternativamente, clubes como FC Famalicão, Académica de Coimbra, FC Penafiel, Gil Vicente FC, FC Arouca, SC Covilhã, Varzim SC, UD Oliveirense e Real SC recorrem a SDUQs para liderar o seu futebol profissional.

Haverá “a” Fórmula de Sucesso?

Ao longo dos últimos anos têm surgido diversos bons e maus exemplos de cada tipo de sociedade comercial. Os casos mais flagrantes do insucesso das SADs reportam-nos para os históricos SC Beira-Mar, enganado por um “messias” iraniano, e SC Olhanense, engolido pela ambição de um grupo italiano de “benfeitores”. Por outro lado, o crescimento sustentado de emblemas como o GD Estoril Praia e o SC Braga funcionam como bons tubos de ensaio da gestão desportiva e financeira das SADs. Já a honra desportiva das SDUQs está salvaguardada pela consolidação e progresso que emblemas como o Rio Ave FC e o FC Paços de Ferreira têm conseguido aos longo das últimas temporadas no principal escalão português.

Por forma a lançar mais alguns elementos para este debate, recolhemos dados das últimas 3 temporadas desportivas (2014/2015, 2015/2016 e 2016/2017) e decidimos reunir primeiramente, os três primeiros classificados da Liga NOS (excluindo SL Benfica, FC Porto e Sporting CP), as equipas despromovidas para a Ledman Liga Pro e, por fim, os emblemas que nos últimos 3 anos conseguiram a promoção à Liga NOS.

Os dados recolhidos não deixam margem para dúvidas. Nas últimas temporadas, das equipas “extra-grandes” que ficaram melhor classificadas, quase 78% delas era gerida por intermédio de uma SAD, cabendo a honra das SDUQs aos méritos do FC Arouca e do Rio Ave FC. Relativamente às equipas despromovidas ao segundo escalão do futebol nacional, 2/3 dos lugares foram ocupados por emblemas sob a alçada de SDUQs, sendo que as únicas SADs relegadas à Ledman LigaPro pertencem ao CD Nacional e ao CF União da Madeira. Por último, mas não menos importante, mais de 80% das vagas da Ledman LigaPro que deram acesso ao principal escalão foram ocupadas por clubes geridos por SADs, pontificando para memória a única subida de uma SDUQ protagonizada pelo CD Tondela.

Os dados aqui lançados servirão exclusivamente para alimentar um debate próximo, lúcido e essencial para o futuro dos clubes portugueses. A vontade dos sócios do clube deve ser totalmente soberana e independente de interesses alheios, cabendo a estes a defesa da honra, da identidade e da integridade das suas cores clubísticas. Seja uma SAD ou uma SDUQ, o busílis da questão deve centrar-se sempre na sustentabilidade do clube, para que o desejo de um amor maior não dê lugar à cerimónia fúnebre de um emblema menor.

O presente artigo foi realizado no âmbito da parceria que o Fair Play estabeleceu com o Sapo24, e a sua publicação original pode ser consultada aqui.


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