A Importância do Discurso – O Papel do Treinador como Líder

Pedro AfonsoSetembro 26, 20176min0
O discurso clubístico assume uma importância que muitos desvalorizam em prol de uma racionalização excessiva, de uma procura incessante pela mecanização de um desporto que depende de seres humanos. Como podem os treinadores influenciar essa componente do jogo?
 “I am Jose Mourinho and I don’t change. I arrive with all my qualities and my defects.”

“You can talk about spirit, or you can live it. We took the team to a lake in Sweden where there was no electricity. We didn’t eat for five days.” – Klopp

A comunicação para as massas em temáticas que se regem mais pela paixão do que pela razão assume-se como um desafio difícil de abordar, com várias possíveis respostas, mas nenhuma aparentemente universal. Num meio cada vez mais empresarial e politizado, mais importante do que a veracidade do que é transmitido, é a forma como o conteúdo é transmitido. Por muito que se apele a uma convivência salutar e saudável dentro da competitividade típica do desporto, a vitória e a “razão” importam mais do que contribuir para o espetáculo. De tal forma que poderá até ser argumentado que esta componente que inunda as redes sociais, os canais de televisão e os jornais se está a tornar cada vez mais o centro do espetáculo.

 

Sem descrição possível [Fonte: Move Notícias]

Mas mais do que de um ponto de vista de projeção mediática do Desporto, o discurso clubístico assume uma importância que muitos desvalorizam em prol de uma racionalização excessiva, de uma procura incessante pela mecanização de um desporto que depende de seres humanos. A menção a José Mourinho na parte inicial do texto não é inocente: há anos que se discute a estagnação do futebol do Special One, da falta de novas ideias, mas o português continua a ganhar por todos os clubes por onde passa. Fruto do acaso? Fruto de maior poderio financeiro? Ou simplesmente, fruto dos mind games que Mourinho adora?

Aliás, toda a carreira do português é uma ode à importância de ter um discurso único, séptico, carregado das suas crenças e quezílias pessoais. A sua passagem inicial pelo Futebol Clube do Porto demonstrou claramente a força da “psicologia” de Mourinho. É verdade que tinha um plantel de luxo, mas a confiança com que abordava as Conferências de Imprensa, o show que teimava em dar no banco de suplentes, o seu protagonismo controlado, nunca se sobrepondo ao dos jogadores, contribuíram para duas das melhores épocas da história dos “azuis e brancos”. A sua passagem por Londres, ao serviço do Chelsea, voltou a demonstrar essa necessidade de criar uma identidade, de vencer os jogos partindo da motivação e complementando-a com a tática, quase secundária. Mas talvez a maior mostra de força de Mourinho e do seu discurso veio da sua passagem por Espanha, onde liderou os “merengues” à conquista da La Liga contra aquela que se diz ser a melhor equipa de todos os tempos: o Barcelona de Pep Guardiola.

 

Os duelos mais antecipados [Fonte: Goal]

Quem não se recorda dos “Clássicos” espanhóis, das fitas, dos despiques na Imprensa, no fervilhar de todo um povo à espera daqueles 90 minutos de sonho? Diga-se que o jogo era agressivo, era inflamado. Mas era futebol no seu estado puro, duas equipas à procura da vitória, cada uma com os seus meios e a sua ideologia.

Curiosamente, a Liga NOS vive um momento onde a ideologia e a racionalidade se vergam ao poder do discurso e da motivação. Sérgio Conceição é o exemplo perfeito para demonstrar a necessidade de um discurso real e ligado à identidade de um clube. Após 4 anos de razia de títulos, mas, acima de tudo, de um futebol pobre, o FC Porto parece ter recuperado aquilo que fez do clube nortenho uma potência desportiva, parece ter recuperado a sua raça, o seu querer, tudo aquilo que nos habituou nos últimos 30 anos.

Poderá ser argumentado até que o plantel do FCP é o mais curto e talvez o mais fraco dos três grandes em Portugal. Mas 7 vitórias em 7 jogos não podem ser obra do acaso. Não se poderá afirmar que será só uma questão de motivação, sendo que o trabalho técnico-tático que tem vindo a ser desenvolvido começa a dar frutos visíveis na forma como a equipa se apresenta em campo.

Por sua vez, Jorge Jesus e Rui Vitória poderiam aprender algo com Sérgio Conceição. O amadorense, apesar de toda a sua experiência e carisma que o torna agradável e interessante de ouvir, continua a teimar em não compreender que os jogadores são humanos, erram e necessitam de um tato que JJ parece não ter, por vezes. O seu ego inflamado continua a ser uma das razões pela qual a sua equipa quebra, uma das razões pela qual os jogadores e dirigentes se “cansam” de trabalhar com ele.

Por outro lado, o discurso de Rui Vitória é desprovido qualquer conteúdo palpável, inspirador de confiança ou de algo semelhante. O técnico ribatejano não pode ser criticado de não criar um bom ambiente no balneário nem de saber manter a equipa unida, contudo é mais fácil trabalhar e prosperar a partir de uma base vencedora. Repetir vezes sem conta que o “Caminho faz-se caminhando”, “Se fosse fácil não era para nós”, “Somos tetra-campeões”, “Fizemos tudo o que podíamos”, não transmite confiança aos jogadores e adeptos, parecendo antes uma tentativa deliberada de fornecer pouca ou nenhuma informação a quem faz o clube: os adeptos.

E como poderá ser combatida esta problemática? A resposta é óbvia: a mudança de postura terá de vir dos clubes. Mas quando os clubes investem cada vez mais em Departamentos de Marketing e de Comunicação, parece claro que o intuito das SADs e dos Proprietários será controlar o fluxo de informação e fornecer apenas o estritamente necessário, protegendo os seus interesses, pressionando e insinuando sempre que possível. Apesar de todas as regras empresariais, o futebol assumiu-se como o Desporto das Massas por ser aparentemente imune a estas questões, a estes controlos. Como se o futebol fosse a simplicidade e a genuinidade, ao invés de um jogo de bastidores semanal que desemboca num confronto semanal. Então, de onde poderá vir a mudança? Dos treinadores. Como líderes da equipa, como a face do grupo de trabalho, como o primeiro a dar o corpo às balas, o treinador tem de ser o primeiro a romper com o marasmo e a implementar as suas ideias e, acima de tudo, o seu carácter na equipa.

 

Também não é preciso exagerar… [Fonte: SAPO Desporto]

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